quinta-feira, 1 de abril de 2010

A Contextualização do Ensino da Bíblia

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Rosemary Harley*

“Não posso acreditar em um Deus que pediu que pessoas fossem matar animais para o agrado dEle!" Na Grã Bretanha muitas pessoas consideram animais mais importantes do que seres humanos. O conceito de sacrifício e o derramamento de sangue é bastante estranho. Numa campanha evangelística entre essas pessoas, o livro de Levítico não seria o lugar apropriado para começar!
Apesar do interesse que muitas pessoas têm na árvore genealógica da sua própria família, genealogias como em Mateus 1 são monótonas. Com estas pessoas, passamos por cima da genealogia e começamos com a história bem conhecida e amada do nascimento do nenê Jesus.
Vamos supor que vou para Quênia e ensino a Bíblia para uma tribo perto da fronteira com Etiópia. Descubro que o povo ali tem uma prática que é muito semelhante daquilo seguido pelo povo de Israel no Dia da Redenção. Escolhem um bode e cada membro da tribo coloca as mãos sobre sua cabeça. Então, o bode é sacrificado, e todas as possessões da tribo são marcadas com o sangue do bode como um rito de purificação. Para esta tribo, o livro de Levítico é um ponto adequado para o início do ensino da Bíblia. Também descubro que, entre esta tribo nômade, a primeira coisa que os pais ensinam a seus filhos é a lista dos nomes do seu pai, avô e bisavô até a quinta geração. Após decorar a lista, continuam até a décima geração, e depois até à décima quinta geração. Este povo nômade por certo terá muito interesse na genealogia de Jesus. A genealogia se torna a prova que Ele é uma pessoa verdadeira e histórica.
Se estamos ensinando a Bíblia num contexto latino-americano, precisamos estar atentos às palavras, conceitos e idéias que podemos enfatizar para uma boa compreensão. Outros precisarão de uma explicação cuidadosa para evitar um mal-entendido. Alguns conceitos nas Escrituras são especialmente benéficos na evangelização, enquanto outras partes da Bíblia serão de especial ajuda no encorajamento de novos crentes para edificá-los na fé. Muitos cresceram vendo a imagem de Jesus pendurado numa cruz. Conhecem Jesus, o sofredor, o crucificado. Nosso ensino precisa enfatizar o Jesus ressurreto, vitorioso, que está vivo e que está conosco sempre - uma viva esperança num mundo inseguro. Para o menino de rua que fugiu de pais abusivos ou um pai alcoólatra, será necessário explicar o caráter de Deus como um pai bom, amoroso e justo, muito diferente da sua experiência com seu pai.
Em nossos seminários e centros de treinamento missionário, é importante encorajar os alunos a estarem atentos aos seus próprios contextos, e relacionar-se à prática de evangelização e ensino de uma forma apropriada. No entanto, é importante também que o treinamento inclua oportunidades para que eles estejam atentos a outros contextos em que poderiam ministrar. Nossas cidades têm muitos grupos étnicos - imigrantes de todos os continentes do mundo. Nossas regiões rurais têm povos indígenas com culturas e cosmovisões diferentes. Os alunos precisam estudar as principais religiões, como Islamismo, Hinduísmo, Budismo, Judaísmo e as religiões tradicionais, porém precisam também enxergar a relevância destes contextos para sua evangelização e o ensino das Escrituras.
Se estou estudando a Bíblia com pessoas com fundamento muçulmano ou judaico, não começo com textos que falam de Jesus como o Filho de Deus. Num contexto muçulmano posso começar com Gênesis — Deus como Criador, e os Patriarcas. Depois eu poderia continuar falando de Deus como Redentor do Seu povo no livro de Êxodo, para depois seguir para os profetas, que já conhecem do Alcorão. Após tudo isso, continuaria para estudar a vida de Jesus, talvez do Evangelho de Lucas. Eu encorajaria as pessoas com fundamento judaico a ler o Evangelho de Mateus para ver quem era Jesus, o que fazia e ensinava, e como cumpriu as profecias do Antigo Testamento.

Como Preparar os Alunos para a Tarefa

Como professores, precisamos criar métodos para encorajar nossos alunos a terem sensibilidade contextual. Um método é escolher um texto da Bíblia e pedir que os alunos imaginem que estão estudando num certo contexto cultural definido. Podem escolher um contexto brasileiro, de fundamento católico romano, um grupo de índios do Chaco, hindus, budistas, chineses, japoneses, ou um recém convertido de Islamismo. Os alunos terão de responder duas perguntas:
1. Que palavras, frases, ou conceitos precisariam de uma explicação maior caso contrário, o povo receptor poderia tirar conclusões erradas sobre o texto devido ao pano de fundo do seu contexto?
2. Que palavras, frases, ou conceitos seriam especialmente bem entendidos no contexto com uma ênfase especial?
Podemos usar 1 Pedro 1.3-9 como um exemplo. Imagine que estamos estudando com um grupo de pessoas interessadas, ou com novos convertidos, num contexto hindu da Índia. Quais os termos que podem receber uma má-compreensão e necessitariam de uma explicação cuidadosa para evitar confusão? Talvez para nós o conceito do novo nascimento é aquilo que nos libertou que nos deu uma vida nova - Jesus providenciou no novo nascimento uma chance de começar de novo, livre da penalidade do pecado, com um novo relacionamento com Deus que não pode ser quebrado pela morte. No entanto, para o hindu o conceito de um novo nascimento, nascer de novo, pode não ser boas novas. É justamente disso que querem ser livres — o ciclo sem fim de nascer de novo, a constante preocupação que se não fizerem o bem suficientemente, eles voltariam a nascer de novo como um animal. (Se são homens, podem se preocupar que nasceriam de novo como mulheres!) Há muitos outros termos, palavras e frases que podem ser usados, como "salvação para suas almas", que não necessitaria maiores explicações e não traria o perigo da interpretação errada.
Outros versos podem encorajar as pessoas de uma forma especial. Entre hindus, sofrimento é visto como um castigo para pecado na vida anterior, mas nos versos 6-7 Pedro explica aos leitores que Deus permite o sofrimento como uma prova da sua fé, e que no dia quando Cristo for revelado, serão louvados porque foram fiéis mesmo no sofrimento. O sofrimento não é apenas negativo.
Para os pobres do mundo que seguem as religiões tradicionais, a idéia de uma herança no céu, guardada para eles, que não pode apodrecer ou desaparecer, seria de grande encorajamento. Talvez não entendam bem a frase "Deus e o Pai do nosso Senhor Jesus Cristo". Talvez o intérprete como um Deus entre muitos, o espírito ancestral de Jesus. A ressurreição de Jesus poderia ser seu espírito voltando como os outros ancestrais. Discussão e explicação seriam necessárias.
E assim poderíamos continuar com outros exemplos - trabalhando com uma passagem para grupos diferentes, escolhendo diferentes textos e aplicando as mesmas perguntas. Assim que ensinarmos e treinarmos estudantes, precisamos mostrar que nosso próprio ensino bíblico demonstra sensibilidade ao contexto cultural dos alunos, e não apenas repete o que nós aprendemos, e a maneira que aprendemos em nossos contextos onde estudamos. Enquanto ensinamos, temos que encorajar nossos alunos para não somente se apropriar o ensino bíblico e teológico para o contexto de onde vieram, mas também para o contexto, ou contextos, onde estarão ministrando no futuro.

*David e Rosemary Harley são verdadeiros viajantes. Nascidos na Inglaterra, os dois foram missionários na África entre judeus e muçulmanos. Ensinaram em All Nations Christian College em Londres onde David se tornou Diretor por um tempo. Recentemente os dois têm viajado para muitas terras, inclusive para o Brasil, ensinando como ensinar missões. No momento estão em Cingapura continuando seu ministério no treinamento missionário. Este artigo foi escrito a pedido de alguns alunos de Mestrado da Faculdade Teológica Batista de São Paulo, após algumas aulas administradas usando esta metodologia de contextualização no ensino da Bíblia.
Fonte: Revista Capacitando para Missões Transculturais # 4, publicada pela APMB (Associação de Professores de Missões do Brasil).

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